Popó da Tuba




POPÓ DA TUBA E A ASTÚCIA CEBOLEIRA[1]

Anderson d’Almeida

A história das bandas filarmônicas ou bandas de música em Itabaiana – com instrumentos de sopro e de percussão – data, pelos menos, do ano de 1879, quando foi criada oficialmente a Filarmônica Euphrosina, denominada posteriormente de Filarmônica Nossa Senhora da Conceição (1897). Pouco menos de um século depois, por volta de 1977-1978, o então garoto José Hipólito dos Santos, seguindo a tradição ceboleira, aprendia a desvendar os primeiros códigos musicais sob a batuta do maestro João de Matos, na Banda de Música do Colégio Murilo Braga. Passadas algumas primaveras, o menino levado transformou-se em um músico de características tão peculiares que o instrumento que passou a tocar, a tuba ou sousafone, confundia-se com seu corpo, num abraço fraternal, tão forte era a ligação e o afeto entre ambos.

Durante cerca de duas décadas, se alguém quisesse identificar a banda que estava passando pelas ruas da cidade, era só olhar para aqueles instrumentos grandes que vinham logo à frente e imediatamente visualizaria o carismático, bigodudo e entusiasmado Popó.

No início da década de 1990, sob a orientação do professor Valtênio Alves de Souza, vários músicos da Banda do Murilo Braga – única banda da cidade em plena atividade no período – foram incentivados a participar de festivais de música da cidade de Laranjeiras e dos Painéis Funarte de Bandas, na capital do estado, Aracaju. Eu fazia parte da turma de jovens iniciantes e acompanhei os veteranos.

Em uma dessas aulas inaugurais, vários tubistas de todo o estado tentavam, alguns discretamente, outros, nem tanto,  tentando impressionar o professor que viera de uma universidade importante do país. Era um “deus nos acuda” ver tanto músico narcisista junto, cada um querendo mostrar uma virtuose que no fundo, no fundo, ninguém tinha.

Em determinado momento, o professor solicitou que cada aluno tocasse um trecho individualmente e, após cada conclusão, questionava-os: quanto tempo de aprendizagem musical tinha cada um.

Eu também estava presente na sala do Conservatório de Música de Sergipe, pois os alunos de bombardino realizavam o curso junto com a turma de tubistas. Chegada a minha vez, executei o trecho solicitado e respondi ao questionamento: tenho três anos de banda. Logo veio o diagnóstico: “Tudo bem, garoto, você pode evoluir bastante ainda.”

A turma estava organizada em formato circular, e, entre mim e Popó, ainda faltavam mais uns três músicos. Alguns tentavam impressionar o professor executando os trechos em andamento acelerado; outros se esforçavam tocando as notas com a maior expressão possível; os mais afoitos tocavam notas agudas... E o professor, na maioria das vezes, nada dizia.

Enfim, chegamos ao nosso Popó, que foi o último da sequência. Eu, que já o conhecia muito bem, percebi que o sempre alegre e brincalhão ceboleiro estava com um semblante preocupado, nervoso, ansioso. Observando Popó daquele jeito, confesso que também fiquei com receio de como seria o desempenho do meu companheiro de banda, o ídolo de toda a garotada. Afinal, estávamos representando a terra de ilustres músicos.

Na hora de executar o trecho solicitado pelo professor, Popó deu uma rápida verificada nos pistos, pressionando-os, conferindo se não iriam deixá-lo na mão. Às vezes, os danados teimavam em enganchar logo nas horas de execução mais importantes. Soprou o instrumento para eliminar possíveis resíduos de saliva e mandou brasa. Meu medo se confirmou, as notas não soaram como de costume. Hipólito, visivelmente angustiado, retirou o instrumento da posição de execução e o colocou horizontalmente no colo. Na sala de aula, até a esperada pergunta do professor... – visivelmente uns vinte anos mais novo que nosso conterrâneo –, um silêncio que pareceu demorar séculos.
— E o senhor, do bigode, quanto tempo que estuda música?
Eu tremi mais que o interrogado. Meu Deus, e agora?
Daí veio a resposta do astuto Popó:
— Seis meses.
Foi a maior gargalhada silenciosa que já dei em toda minha vida!

— Bom, pelo tempo de aprendizagem e pelo som que ouvi de todos da turma, o senhor, sem dúvida, me surpreendeu. Estou diante de um grande talento precoce! — verbalizou o ilustre mestre.





[1] Publicado originalmente no livro Itabaiana de minha infância (Coleção Academia Itabaianense de Letras).  Aracaju: Infographics, 2017, p. 131-133.

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