Maria Augusta: a guardiã


 Sésto’ da Pinoia![1]


Anderson d’Almeida
    
Maria Augusta é tia de minha esposa, Rita, e mora no povoado Estaleiro, município de Campo do Brito.  Gustinha, como é conhecida entre os familiares e amigos, nasceu sem que seus membros inferiores estivessem totalmente formados, como também apresenta  características psíquicas que a incluem na categoria de especial.
O mundo de Maria resume-se ao seu quarto - mobiliado com cama, mosquiteiro e guarda-roupas, e ao seu canto (na sala ou na cozinha), onde ela observa o vaivém constante de familiares e amigos que frequentam a casa. Ao contrário do que possa parecer, Gustinha não é triste, apática, ou indiferente ao que acontece em volta. Se alguém a cutuca, lança mão da única arma que tem: sua língua, seu vocabulário, seu verbo. Possuidora de uma memória fora do comum, aprende o nome das pessoas para nunca mais esquecer. Observa as principais características dos visitantes e faz pilhéria com a forma física dos desavisados.  Zomba do figurino dos não especiais, supostos normais. Fofoca, sussurrando ao ouvido dos seus confidentes. Quando quero puxar uma prosa, chamo-a de “meu chuchu” e gosto de fazer cócegas na sola do seu pé, sempre à mostra em virtude de sua peculiar formação anatômica.
Certo dia resolvi testar a paciência da nossa personagem e, mesmo ela reclamando, aos gritos, entre risos e palavrões, continuei a fazer cócegas em seu pé, delicado como o de qualquer criança que nunca pisou no chão. Por alguns instantes, Maria deixou de ser Augusta (sinônimo de sagrada, sublime, respeitável...). Ela foi tomada por um ódio incontrolável e, enfurecida, começou a xingar-me descontroladamente: m..r..co, vi...d..., fi do cab...co. “Eu tenho cósca. Têje queto”!
Depois que interrompi minha infantil maldade, Maria Augusta parou. Respirou. Encarou-me e gritou pra todo o povoado ouvir: ‘SÉSTO’ DA PINOIA!
Mais uma vez tive a certeza de que “Chuchu” é a guardiã de um vocabulário que cada vez mais deixa de existir nas grandes cidades e “corri” para o dicionário a procurar os significados daquelas duas palavras. Espero que vocês façam o mesmo.


[1] Publicado originalmente na Revista Impactos, n.2, jan. 2018, p. 10.

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